quinta-feira, 24 de julho de 2008


O Papa-Jornais

Na minha rua, existe uma personagem singular – um comedor de jornais. Devora todos os que encontra, quer os que são abandonados nas mesas do café, quer os que o vento empurra rua fora. Uma vez por outra, até já o vi debruçado pela abertura do Papelão.
Como seria de esperar, está sempre bem informado, quer das notícias do dia, quer das de véspera, que já todos esqueceram. Por tudo isso, é motivo de falatório na rua. Estranham-lhe a bizarria – dizem.
A mulher, que salga sempre a comida, inveja-lhe a memória. O rapaz, que sonha com pescarias no tanque do fontanário, diz que ele assusta os peixes com o ruído que faz a mastigar. As primas, que plantam jacintos nos charcos da calçada, criticam-lhe a voracidade. O oriental, de cujo livro saem, por vezes, pétalas coloridas, olha-o com desconfiança.
Todo este mal-estar desapareceu, esta manhã, inesperadamente. Quando saí à rua, para comprar pevides de melão, as conversas giravam à volta do Papa-jornais. Todos asseveravam que era um bom homem e gabavam, até, a utilidade da sua preferência gastronómica, para o asseio do bairro. E lamentavam-no com lágrimas nos olhos. Parece que houve uma distribuição maciça de jornais gratuitos e ele morreu de indigestão.

Joaquim Bispo


Texto vencedor da MA para o Restaurante do Mcanoel's


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